terça-feira, abril 17, 2007

Como a LDB trata os profissionais de ensino

Vicente Martins

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) dá diferentes títulos aos profissionais de educação escolar: professores, docentes e profissionais de ensino. O que pode estar por trás dessa nomenclatura do ponto de vista do legislador e dos que atuam no campo educacional? Que incumbências são outorgadas aos docentes dos estabelecimentos de ensino?

No meio social, professor é todo que ensina uma ciência, uma arte, uma técnica, uma disciplina. É um termo bastante abrangente e equivalente a mestre, este, mais utilizado no período imperial, por força da Constituição de 1824 e da Lei de 15 de outubro de 1827 que chamavam mestres todos aqueles que exerciam uma “cátedra”.

À luz da legislação federal, todos aqueles profissionais de educação escolar, em particular, os das redes oficiais de ensino, que ingressam, no serviço público, através de concurso público de provas e títulos, são, portanto, detentores de cargos públicos, e, por isso, têm incumbências enumeradas ou responsabilidades explicitadas pelo Estado.

No inciso VII, do artigo 3º da LDB, no âmbito dos Princípios e Fins da Educação Nacional, o concurso público, princípio de ensino, é uma forma de valorização do profissional dos que trabalham no magistério oficial. No referido inciso, ainda podemos cogitar a possibilidade de entendermos o espírito da lei de dar um sentido mais genérico à figura do profissional da educação escolar, o que englobaria, no nosso entendimento, não apenas aqueles que estão atuando em sala de aula, ministrando aulas, mas que fazem parte da escola, como servidores que trabalham como porteiros, secretários escolares, coordenadores pedagógicos ou diretores da escola.

A LDB, assim, ao referir-se aqueles que profissionais que têm cargos efetivos de professores os chamam de docentes. A escola, por sua vez, zelando pela valorização profissional de educação escolar, tem a incumbência inalienável de envolver os docentes no seu processo de construção ou gestão escolar.

No inciso IV, do artigo 12 da LDB, os estabelecimentos de ensino receberam a incumbência de velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente. Assim, na organização nacional da educação nacional, os docentes são importantes agentes no projeto pedagógico da escola, o que exige da parte da gestão escolar, o zelo pelo seu plano de trabalho docente, o PTD, que deve ser, por sua vez, afinado (não necessariamente atrelado a) com a proposta pedagógica da escola.

O artigo 13 da LDB é reservado exclusivamente aos docentes. Pelo menos, são seis as incumbências dos docentes, isto é, dos profissionais de ensino que têm cargos ou funções específicas ou especializadas na escola.

A primeira incumbência magisterial, prevista no inciso I da artigo 13 da LDB, determina que cada docente deva participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino. A participação ativa do docente se faz necessária à elaboração da proposta pedagógica uma vez que a escola, efetivamente, só se realiza, enquanto estabelecimento de ensino, com a presença física dos docentes, ou seja, de profissionais da educação escolar que, habilitados, em nível de educação superior, na área de sua atuação profissional, são, regularmente, contratados ou admitidos na atividade de magistério, respaldando, pois, legalmente, a instituição escolar.

A segunda incumbência magisterial, prevista no inciso II da artigo 13 da LDB, determina que cada docente deva elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino. O plano de trabalho docente é, ao certo, uma das atividades mais acadêmicas, produtivas e interessantes dos profissionais de ensino. A partir do plano de trabalho, o docente pode assinalar, no período letivo, suas metas curriculares e educacionais. Por exemplo, é a oportunidade de o docente propor e perseguir metas como o fim da evasão escolar e melhorar a qualidade do seu serviço educacional através de uma didática eficiente e eficaz, que tenha por principal finalidade o desenvolvimento da capacidade de aprender e de aprendizagem dos alunos.

A terceira incumbência magisterial, prevista no inciso III da artigo 13 da LDB, prescreve que cabe ao docente zelar pela aprendizagem dos alunos. Aqui, decerto, reforça, no processo ensino-aprendizagem, a aprendizagem como princípio do bom fazer pedagógico. O componente ensino, centrado no professor, refere-se à organização do material curricular a ser transmitido em sala de aula em prol da aprendizagem que, aqui, passa a ser entendida como a assimilação ou estocagem de conhecimentos e saberes historicamente acumulados pela sociedade.

A quarta incumbência magisterial, prevista no inciso IV da artigo 13 da LDB, diz que cada docente deve estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento. Mais uma vez, o aluno, nesse inciso, é o foco da atenção do processo ensino-aprendizagem.

O papel do docente é o de levar o aluno ao desenvolvimento das habilidades e competências requeridas pelo projeto pedagógico ou plano de desenvolvimento da escola.

Se os alunos deixam de aprender, nas condições de oferta de ensino, caberá ao docente assegurar as estratégias de recuperação, para que os alunos com dificuldades de aprendizagem superem seu menor rendimento, isto é, alterem as baixas notas que os reprovam ou que os levam ao fracasso escolar, convertendo-as em notas boas, dentro da média, que os aprovam e os promovam ao ano seguinte, segundo as regras estabelecidas pelo processo de avaliação.

A quinta incumbência magisterial, prevista no inciso V da artigo 13 da LDB, traz a seguinte responsabilidade para os que atuam no magistério: cada docente deve ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional. Um dia é considerado eletivo quando, no ambiente escolar, há a presença do aluno e do professor, o que quer dizer a garantia da presença física do professor e a permanência do aluno na escola. A noção de hora-aula sugere, por seu turno, dentro da tradição pedagógica, a aula presencial do professor; claro, utilizando-se, para isso, de todos os recursos dos jogos didáticos, da moderna tecnologia da informática educacional e a internet.

A sexta incumbência magisterial, prevista no inciso VI da artigo 13 da LDB, define a responsabilidade que cada docente tem de colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

Na essência do inciso VI do artigo supra citado, a lei parece indicar o grau de descentralização da escola, propondo, explicitamente, que os docentes devam se articular com as famílias e com as comunidades. Os desafios do professor passam a ser desafios também dos pais e da comunidade. Se o aluno deixa de aprender, a família, em tempo hábil, deve ser comunicada da situação do aluno, não apenas em se tratando das informações de avaliação escolar, mas de sua motivação, curiosidade e interesse de aprender, para que, em regime de co-responsabilidade educacional, participe do esforço docente de recuperar o aluno e não permitir sua retenção no processo educacional.

As comunidades, especialmente as religiosas, sociais e todas as outras formas de organização societária, que agregam e congregam as pessoas da vizinhança, devem ser convidadas a participar das agendas escolares, especialmente quando questões como a violência urbana, desemprego e desmotivação para aprender passam a ser ordem do dia dos agentes educacionais e a ter reflexos preocupantes para o futuro das crianças, jovens e adultos, dentro ou fora da escola.

Vicente Martins, palestrante, é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Estado do Ceará, dedica-se entusiasticamente às dificuldades de aprendizagem relacionadas com a leitura(dislexia), escrita(disgrafia) e ortografia(disortografia). E-mail: vicente.martins@uol.com.br.

sábado, abril 14, 2007

Como a alfabetização carencial afeta a leitura

Prof. Ms. Vicente Martins

Comentarei um caso de dislexia, em sala de aula, relatado por uma mãe de uma criança de 9 anos. O objetivo deste artigo é apontar a alfabetização carencial como uma das causas mais comuns de dificuldade específica em leitura e que exige da escola e dos próprios pais uma intervenção eficiente na idade ideal de aquisição leitora por parte dos educandos.

A mãe me relata o seguinte: “Tenho notado que meu filho de 9 anos, atualmente, cursando a 3ª série, apresenta dificuldade de leitura e tende a trocar letras como "b e d" e se confunde com o som de sílabas como "se e es", o que, segundo seu artigo, enquadra-se em um caso de dislexia pedagógica”.

O primeiro ponto a considerar é a idade-série da criança e, para tanto, tomarei como escala de referência o atual continuum da faixa etária ideal do ensino fundamental, previsto na Lei de Diretrizes Nacionais da Educação Nacional(LDB) e legislação educacional correlata. Aos 6 anos, a Lei diz que o aluno deve ingressar no ano inicial do ensino fundamental e, aos 14 anos de idade, concluir esta etapa da educação básica. Aos 9 anos de idade, portanto, o aluno deve estar na terceira série ou no quarto ano do ensino fundamental. Levando-se em conta este parâmetro nacional, observamos que a criança acima referida está na faixa etária ideal, o que já descarta o atraso escolar.

Mesmo sem o atraso escolar ou distorção idade-série é importante considerar um segundo ponto na análise do caso. Refiro-me à aquisição e ao desenvolvimento da habilidades lingüísticas básicas e instrumentais do ensino como leitura, escrita, fala e ortografia, necessárias para o desenvolvimento da capacidade de aprender e de aprendizagem, fins últimos do ensino fundamental.

A mãe afirma que a criança apresenta dificuldade em leitura, o que nos leva a supor dificuldade no reconhecimento das palavras. Em geral, o não reconhecimento da palavra, sobretudo na leitura em voz alta, decorre da falta de consciência fonológica, o que pode ser comprovado quando a mãe afirma haver, no déficit de leitura da criança, a troca ou permuta de fonemas /b/ e /d/, ambos oclusivos, e confusão na pronunciação de sílaba.

A troca de fonemas, no decorrer de leitura, decorre da falta de consciência fonológica. O déficit de consciência dos sons da fala afeta a leitura mas não necessariamente a fala, ou seja, uma criança pode não saber soletrar, decodificar, transformar letras em sons da fala, nomear as letras, separar ou apagar fonemas em uma palavra, déficits que tem implicações significativas na fluência leitora, mas nenhuma dessas deficiência poderá afetar a habilidade da fala.

A consciência fonológica deve ser trabalhada na fase de educação leitora, em que a criança aprende a ler com o objetivo de ler para aprender. Se a alfabetização é carencial, deficiente, a criança terá dificuldade de fazer o reconhecimento adequado das letras do alfabeto e das notações léxicas (til, cedilha, acentos agudo, grave etc) como representantes, no campo da escrita, dos sons da fala.

Sem o entendimento de que as letras representam os fonemas da língua materna (vogais, semivogais e consoantes) não há consciência fonológica, habilidade imprescindível à leitura acurada, uma consciência que, se apreendida, evitaria a leitura com hesitações na soletração ou dificuldade na transformação das palavras escrita em sons da fala.

A intuição da mãe de que a deficiência leitora da criança tem suas raízes na alfabetização deficitária pode ser observada quando diz que “ o processo de alfabetização do meu filho foi deficiente, pois ele não chegou a cursar o pré-primário, passou do 2º período pré-escolar diretamente para a 1ª série do ensino fundamental. Embora ele não tenha dificuldade
de compreensão e entendimento, apresenta uma leitura difícil e lenta, muitas vezes se perde durante a leitura de uma frase, como se apresentasse uma distração na hora de ler”.

Quanto a essa observação da mãe, importante é assinalar que a alfabetização em leitura não pode ser vista pela escola ou pelo pais apenas como um momento dentro da educação infantil, especialmente a pré-escola, que vai dos quatro aos cinco anos de idade. Também não menos importante afirmar que a educação infantil não é pré-requisito para o ingresso no ensino fundamental. A alfabetização em leitura pode começar na pré-escolar, mas seu lugar, enquanto ensino sistemático, deve ser o primeiro ciclo do ensino fundamental, isto é, do 1º ao 5º ano, ou, como se classificava anteriormente, da 1ª série à 4ª série do ensino fundamental.

Aos 9 anos, se a criança comete erros fonológicos, como a troca de fonemas na leitura ou a troca de letras na escrita ortográfica, é um forte indício que a consciência fonológica não está sistematicamente trabalha, o que poderá acarretar, no segundo ciclo do ensino fundamental, dificuldades progressivas na aprendizagem das práticas de leitura de textos e das práticas de produção de textos bem como das demais disciplinas do currículo escolar.

Vicente Martins, palestrante, é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Estado do Ceará, dedica-se entusiasticamente às dificuldades de aprendizagem relacionadas com a leitura(dislexia), escrita(disgrafia) e ortografia(disortografia). E-mail: vicente.martins@uol.com.br.

sábado, março 24, 2007

Como os sons nasais influem na leitura

Prof. Ms. Vicente Martins
Docente na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará
Graduado e Pós-Graduado em Letras pela
Universidade Estadual do Ceará

Durante a leitura em voz alta, muitas crianças encontram dificuldade na articulação de vogais e consoantes nasais, o que as leva a não reconhecerem palavras com fonemas nasais. Sem reconhecimento das palavras, não há decodificação leitora, importante etapa no processo de leitura.

Os professores, quando não atentos ao valor dos sons nasais na prática da leitura de textos, torcem o nariz aos maus leitores, e os alunos, por sua vez, diante do fracasso leitor, ficam de nariz comprido.

Sem a produção dos sons nasais, belos textos, especialmente os poemas em versos, perdem todo seu encanto lírico, sua emoção, seu ritmo e a força de expressividade de suas rimas.

Durante as aulas de leitura, fazem parte do cardápio escolar a leitura de sonetos de poetas e poetisas brasileiros como Mário Quintana, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa, autores que explicitamente exploram, em seus versos, vogais e consoantes nasais.

Um bom exemplo é o poema Canção de Garoa, de Mário Quintana em que o poeta diz: “ Em cima do meu telhado/ Pirulin lulin lulin,/Um anjo, todo molhado,/Solução no seu flautim/. Na estrofe seguinte o poeta continua a explorar os fonemas nasais: /O relógio vai bater:/As molas rangem sem fim./O retrato na parede/Fica olhando para mim./”. E na última estrofe conclui: “E chove sem saber por quê.../E tudo foi sempre assim!/Parece que vou sofrer:/Pirulin lulin lulin...”

Não apenas na leitura, mas já na aquisição da fala, as crianças percebem o papel da cavidade nasal na articulação dos sons da fala.

Na educação infantil, a articulação dos sons nasais, todos sonoros, são exigidos dos pequenos a exploração das cordas vocais situadas na laringe. A fisiologia do esforço articulatório dos sons nasais é a seguinte: durante a produção dos sons nasais, uma parte da corrente de ar expirado proveniente da laringe passa pelas fossas nasais, devido ao abaixamento da úvula e do véu palatino, causando uma vibração intensa nas fossas nasais.

Isso que dizer que a pronúncia dos sons nasais leva o véu palatino a ficar abaixado total ou parcialmente, permitindo que uma parte do ar pulmonar saia pelas fossas nasais, produzindo aí uma ressonância, cujo efeito auditivo é conhecido por nasalidade.

As vogais nasais do Português

Na escrita, as vogais são representadas por dígrafos vocálicos nasais, na verdade, grupos de duas letras usados para representar um único fonema. No português são dígrafos nasais: am, an, em, en, im, in, on, om, um e u.

As consoantes nasais do Português

As consoantes nasais são fonemas sonoros (as cordas vibram) em cuja articulação o ar expirado ressoa na cavidade nasal por encontrar abaixados a úvula e o véu palatino, como /m/ na palavra cama,/n/ em cana,/nh/ em lanho.

N, n

O valor fonético da letra ene – O n (ene) é a décima terceira letra e décima consoante do nosso alfabeto. Esta letra representa a consoante oclusiva nasal dental-alveolar, como em (diante de consoante ou em final de palavra, não é pronunciada como oclusiva nasal e freqüentemente não é pronunciada, nasalizando a vogal precedente, como nas palavras manso e hífen.

M, m

O valor fonético do eme - O m (eme) é a letra que representa a consoante oclusiva nasal bilabial sonora como na palavra meu, camelo e morro.

~

O til - Durante a aquisição e o desenvolvimento da leitura em voz alta ou a alfabetização em leitura, no ensino fundamental, o reconhecimento do til como um sinal diacrítico que nasala a vogal à qual se sobrepõe. O til, marcado nos textos medievais, desde o ano de 1632, é o sinal gráfico que na escrita confere a uma letra novo valor fonético (pronunciação) e/ou fonológico (função distintiva na língua).

Vicente Martins, palestrante, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral (CE), dedica-se entusiasticamente à pesquisa sobre as dificuldades de aprendizagem relacionadas com a leitura (dislexia), escrita (disgrafia) e ortografia (disortografia).

E-mail: vicente.martins@uol.com.br
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